Nome: O Rei e a Feiticeira.
O burburinho das barracas do mercado se misturava ao
cheiro de pão fresco e temperos. Entre cestos de frutas e cortes de carne
expostos, três mulheres discutiam animadamente a punição que abalara a cidade,
Marta (A ruiva). Elena (A loira) e Rosalinda (A de cabelo castanho).
Marta (balançando a cabeça): Digo e repito, a baronesa
merecia. Ela e o criado! Mas aqueles comentários…
Elena
(revirando os olhos): Nojentos. Eu esperava ver justiça, não uma exibição de
luxúria!
Rosalinda:
Eram poucos, mas bastou pra me embrulhar o estômago. Homens que falam assim em
público, o que será que fazem em privado?
Marta
(cruzando os braços): Ora, não precisa pensar muito! Aposto que alguns daqueles
desavergonhados que ficaram falando da baronesa vão estar pelados na praça em
breve. E não por justiça política, mas por adultério.
Elena (rindo com desprezo): Justamente! Vi uns dois ou três
ali com cara de quem já pulou a cerca mais vezes do que trocou de botas!
Rosalinda
(rindo também): E nem adianta fazerem cara de inocentes quando a mulher do
padeiro ou a florista vierem denunciar! Vão estar lá, tremendo e gritando, do
mesmo jeito que a baronesa e o criado!
Marta
(erguendo uma sobrancelha): E aposto que não vai ter mulher nenhuma dizendo
coisas indecentes sobre eles, viu?
Elena
(séria, mas com um toque de ironia): Não mesmo. Quando forem eles, só vai ter
cuspe e xingamento.
Rosalinda:
Bem, que tenham o que merecem, como a baronesa teve o dela. Mas justiça não é
desculpa pra baixaria.
Marta: Concordo.
Agora, mudando de assunto, preciso garantir que meu marido não esqueça que tem
olhos só pra mim. Vou comprar um bom pedaço de carne e lembrar a ele quem é que
cozinha em casa!
Elena
(rindo): Isso mesmo, Marta! Melhor garantir que ele não vá ser o próximo na
praça!
Hannah: Guardas! Guardas! Eu exijo que me tirem daqui! Eu
sou a baronesa desta terra! Eu não sou uma criminosa qualquer para ser jogada
nua em uma cela imunda como um animal!
Bram: Ah,
pelo amor do observador, Hannah, cala essa boca. Ninguém vai te tirar daqui.
Você acha que eles se importam? Acha que seu título vale alguma coisa agora?
Hannah: Vale
mais do que a sua vida inútil, seu verme! Você arruinou tudo! Se eu não tivesse
me envolvido com um idiota como você, não estaria aqui, jogada como uma cadela
no chão frio!
Bram: Ah,
claro, porque foi eu que me insinuei para você, né? Foi eu que joguei tudo fora
por um capricho? Se alguém aqui destruiu a própria vida, foi você!
Hannah: Eu
podia ter encontrado outro! Um homem mais esperto! Um que soubesse fazer as
coisas direito!
Bram: E
ainda assim estaria nua nessa cela, Hannah. Porque a única coisa mais óbvia que
a sua beleza era sua imprudência.
Hannah: Cale-se!
Cale-se! Guardas! Guardas, eu exijo que me soltem!
Bram: Ninguém
vai te ouvir. Ninguém liga para você agora. Você não passa de mais uma
criminosa esperando a forca.
Hannah: Eu
não sou como você! Eu não sou um servo miserável que já nasceu para morrer
esquecido! Eu sou uma nobre!
Bram: E
mesmo assim, olha só onde estamos. Iguais. Nus. Condenados. Mas, sim, continue
gritando. Continue fingindo que ainda é alguém.
Hannah: Eu
vou sair daqui! Eles não vão se atrever a me executar! Meu nome ainda significa
alguma coisa!
Bram: Seu
nome morreu no momento em que você deitou comigo, Hannah.
Hannah: NÃO
FALE COMIGO! NÃO OLHE PARA MIM!
Bram: Não se preocupe, minha senhora. A última coisa que eu quero ver é a mulher que me arrastou para a morte.
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O chão duro e frio da cela tornara impossível qualquer descanso real. Hannah e Bram passaram a noite revirando-se no chão de terra batida, suas peles marcadas pelo chicote ardendo contra a umidade do ambiente. A escuridão pesada, cortada apenas pela fraca luz das lanternas a óleo, fez as horas parecerem eternas. Mas, quando os guardas finalmente chegaram, não foi para levá-los à execução, não ainda.
Dois soldados jogaram roupas intimas para dentro da cela. Nenhum sapato, nenhum acessório, nada além do mínimo para cobrirem-se antes de enfrentarem o julgamento definitivo. Hannah segurou a camisola com mãos trêmulas, os olhos ardendo pelo choro da noite anterior. Vesti-la foi um alívio, mas não o suficiente. Sem suas joias, sem um vestido bordado, sem nada que mostrasse sua posição, ainda se sentia exposta.
Levados pelos corredores úmidos da fortaleza, subiram os degraus que os separavam da sala do trono. As portas se abriram diante deles, revelando o rei Kraig e a rainha Celeste sentados em seus lugares de julgamento. O destino da baronesa caída e de seu amante condenado logo seria decidido.
Rei Kraig (tom severo): Hannah Arkalis e Bram, servo da casa
Arkalis. O tribunal real ouviu testemunhos suficientes para compreender o que
ocorreu. Além da confissão de adultério, há provas contundentes de que o
assassinato do barão Yenward Arkalis foi premeditado.
Rainha Celeste (olhar impenetrável): Os servos relataram um
casamento infeliz. Um frasco de veneno foi encontrado no quarto do casal. Ainda
assim, vocês insistem em negar?
Hannah (erguendo o queixo, tentando manter a postura): Majestades,
somos inocentes dessa acusação! Sim, cometi o erro do adultério, mas jamais
teria matado meu marido! Alguém quer me incriminar!
Bram (com voz áspera, mas firme): É um julgamento injusto.
Eu não matei ninguém. Meu pecado foi desejar a mulher errada, nada mais.
Rei Kraig (arqueando uma sobrancelha): Então negam? Mesmo
diante das provas?
Hannah (com desespero na voz): O frasco de veneno… Sequer
sabemos como foi parar lá! Eu jamais usaria algo assim!
Rainha Celeste (fria): E, no entanto, ele estava em seu
quarto. Entre vocês dois, tinham motivos de sobra para desejar a morte do
barão.
Bram (cerrando os punhos): Não fomos nós!
Rei Kraig (suspirando, olhando para a rainha brevemente
antes de declarar): Hannah Arkalis e Bram, nós os sentenciamos a oito anos de
prisão nos calabouços reais.
Hannah (engasgando): N-o quê?! OITO anos?!
Bram (baixando a cabeça, murmurando para si mesmo): Podia
ser pior…
Hannah (desesperada): Não! Não podem me manter naquele
lugar! Não sou um animal para apodrecer em uma masmorra!
Rei Kraig (impassível): E, no entanto, lá permanecerão até cumprirem sua pena. Levem-nos.
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Bram: Melhor se acostumar. Essa roupa velha é tudo o que
resta.
Hannah: Isso
é um absurdo! Não posso viver como um animal!
Bram: E,
no entanto, está aqui. Oito anos. Comendo no chão, dormindo no frio, esquecida
como os outros.
Hannah: Isso
não pode estar acontecendo...
Bram: Vai
piorar. Quando acabar, se sair viva, vão dar trapos que foram de quem não teve
a mesma sorte.
Hannah: Não
fui feita para isso!
Bram: Acha
que alguém foi? Mas não muda nada. Só importa sobreviver.
Hannah: Sobreviver?
Oito anos nessa imundície?
Bram: Sim.
Porque a única alternativa é morrer.
Hannah: Isso
não pode ser real...
Bram: É
real. E quanto mais cedo aceitar, melhor.
Hannah: Nunca
vou aceitar.
Bram: Então
vai sofrer mais do que precisa.
Hannah: EU JÁ ESTOU SOFRENDO!
Bram: Não adianta gritar. Aqui você é só uma prisioneira!
Hannah: Eu
sou de sangue nobre! Não podem me tratar assim!
Bram: E,
no entanto, estamos aqui. E sabe o que é pior? Essa camisola que agora cobre “o seu segredo”… já esteve no corpo de outra
mulher antes.
Hannah: O…
O quê?
Bram: Alguém
usou antes de você. Alguém que foi enforcada, talvez queimada, talvez enterrada
sem nome. Essa roupa estava por baixo das vestes dela quando a arrastaram para
morrer.
Hannah: Mentira…
está mentindo!
Bram: Acha
que os guardas se importam em dar roupas novas para presos? Isso aqui foi de
alguém que não teve a mesma sorte que nós.
Hannah: P-Pare
de falar!
Bram: Por que está tremendo? Ah, entendi. Não é só a
camisola, não é? É o fato de que está ouvindo os gritos. Não sabe o que estão
fazendo com eles… e talvez ache que pode ser a próxima.
Hannah: N-Não…
eu já fui julgada… eles não podem…
Bram: Será?
Tem certeza? Porque, pelo que vi, ninguém saiu daquela sala andando.
Hannah: P-Pare…
pare!
Bram: E
não esqueça. Você não é mais uma baronesa. É só mais uma prisioneira. Igual a
todos que gritam lá dentro.
Hannah: N-Não!
NÃO!
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A taverna fedia a álcool, suor e desespero. As lamparinas
fracas lançavam sombras trêmulas sobre as paredes de madeira, enquanto o som de
canecos sendo largados pesadamente sobre as mesas ecoava pelo salão. Afundado em uma cadeira de madeira desgastada, Arvid encarava o
líquido âmbar no fundo de seu copo, os olhos opacos e vazios. Uma semana se
passara desde o julgamento. O rei Reneé o havia perdoado. Mas ele não conseguia se
perdoar.
Ele deu
outro gole generoso na bebida, esperando que queimasse o suficiente para apagar
os gritos que assombravam sua mente. Mas o álcool não podia trazê-lo de volta
do abismo onde ele mesmo se lançou.
Foi
então que uma voz carregada de rancor cortou o ar abafado da taverna.
Nethan: Você!
Arvid
ergueu os olhos, piscando contra a névoa da embriaguez. Um homem de meia-idade,
barba desgrenhada e olhos carregados de fúria, estava parado à sua frente. Os
punhos cerrados tremiam de raiva contida.
Arvid:
Você me conhece? — Arvid murmurou, a voz rouca e arrastada.
O homem
se inclinou, cuspindo as palavras com veneno.
Nethan: Minha filha. Você a prendeu, a torturou, a
jogou naquele maldito labirinto. Eu a vi ser despedaçada por aquele monstro
enquanto vocês, demônios desgraçados, assistiam como se fosse um maldito
espetáculo!
Arvid:
Eu não sabia. Eu juro. A rainha... Kemira... ela estava possuída. Eu acreditava
que estava servindo um propósito.
Nethan: Propósito? Meu propósito era cuidar da minha filha, e você a arrancou de mim! Você acha que "não sabia" muda alguma coisa? Você acha que isso a traz de volta?
Alva: Ele não só fez isso. Ele também me prendeu. Me
torturou. Me deixou nua e indefesa em uma cela, dizendo que eu poderia
confessar ser rebelde, mesmo sem nenhuma prova. Lembra de mim, general? Ou eu fui só mais uma
entre as dezenas que você destruiu?
Arvid: Alva!
Alva: O que você quer?
Ele
engoliu seco, sem saber exatamente como começar.
Arvid: Eu...
eu sinto muito.
Alva
riu. Um som áspero, sem humor. Finalmente, virou-se para encará-lo, os olhos
brilhando sob a luz fraca das lanternas.
Alva: Sente
muito pelo quê? Pelos dias que passei naquela cela? Pela fome? Pela sede? Pelo
cheiro de imundície que eu não conseguia escapar?
Arvid
tentou segurar o olhar dela, mas sua garganta estava seca.
Arvid: Eu
não sabia sobre Kemira... sobre a possessão. Eu pensei que...
Alva: Pensou
o quê? Que era justo? Que eu merecia aquilo? Que todas aquelas pessoas no
labirinto mereciam?
Alva:
Você realmente acha que um simples "sinto muito" pode apagar tudo o
que vivi? Eu fui chicoteada, Arvid. Nua, sem defesa, chorando e implorando para
você parar. Eu não era uma rebelde, nunca fui. Eu só era uma mulher que lutava
para sobreviver, e você me humilhou de uma maneira que ainda me deixa morta de
vergonha. Cada golpe do chicote que você brandiu naquela sala fechada ecoa em
meus pesadelos. Eu me lembro de sentir o frio da madeira e o ardor do chicote enquanto
eu suplicava para que aquilo acabasse. Você não via uma mulher, mas um objeto
que poderia ser quebrado sem remorso. E agora você tenta se justificar, dizendo
que não sabia sobre Kemira, que estava seguindo ordens? Que desculpas
convenientes para esconder o seu próprio fracasso?
Arvid: Eu... Eu não tinha a mínima ideia do
que estava fazendo. Jamais imaginei que...
Alva:
Espero que tenha gostado do que viu, Arvid. Espero que seu coração se encha de
remorso ao lembrar dos gritos, das lágrimas e da minha humilhação. Porque eu
nunca vou esquecer a sensação de dor e desamparo, e nunca vou perdoar.
Celeste (virando-se com um suspiro): Por mais justa que tenha sido a sentença, ainda me incomoda profundamente… não a dor que sofreram, mas o que foram capazes de fazer.
Kraig: Sim… o crime foi traição em mais de um sentido. Ao barão, à honra da casa Arkalis, e à própria ordem que juramos proteger.
Celeste: Hannah não apenas desonrou o marido, ela se deitou com um servo. Um homem a quem ela devia autoridade e distância. Não foi um tropeço… foi escolha. E pior, duradoura.
Kraig: E Bram, como servo, devia lealdade ao senhor. Dormir com a esposa do próprio barão… é uma ofensa contra toda a estrutura da casa Arkalis.
Kraig (com um tom firme): A lei foi clara. O adultério confirmado permite a punição e sela o destino do casamento. Ela nunca mais poderá se casar. Nem ele. Isso é o que mais arde para os dois, mais do que o couro cortado.
Celeste (olhando para a janela): E mesmo assim, vejo nos olhos de Bram… ele faria tudo outra vez. Não se arrepende. Não por ter amado a mulher de outro. Mas por não ter conseguido fugir com ela.
Kraig: O povo precisa ver que mesmo o mais humilde não está acima da honra. E que nem os nobres escapam do açoite se traírem seus votos.
Celeste (quieta por um momento, depois olhando para o marido): Não me assusta a paixão, Kraig. Me assusta a facilidade com que quebram os votos. Os mesmos votos que sustentam cada lar, cada união. Que tipo de mundo teremos se não houver fidelidade nem entre marido e mulher?
Kraig (segurando sua mão): Não teremos um mundo nosso. Teremos um reino de alianças frágeis como vidro. E isso… não pode ser permitido.
Celeste (arqueando uma sobrancelha, com um meio sorriso): Sabe, meu rei… se você fosse um homem comum, desses que andam sem camisa carregando sacos no mercado… teria causado a algumas mulheres exatamente o mesmo destino daquela baronesa.
Kraig (confuso por um instante, depois sorrindo): E por quê?
Celeste (cruzando os braços, provocando): Porque é o tipo de homem que faria qualquer mulher esquecer o nome do marido. Já vi como as damas te olham quando você treina com os soldados… e não é por respeito à coroa.
Kraig: Ah, mas a mesma acusação pode ser feita à rainha mais linda que este reino já teve. Você é o tipo de mulher que faria homens perderem o juízo e o casamento. Quantos nobres já tropeçaram nas palavras só por estar diante de ti?
Celeste (fingindo modéstia): Alguns tropeçam. Outros caem de joelhos. Nenhum levanta.
Kraig: Ainda bem que me ajoelhei primeiro.
Celeste (sorrindo abertamente agora): E eu ainda não levantei.
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